28 março 2007

Dias de Primavera


Quando nos olhámos percebi, naquele instante, que me desejavas. Que nos desejávamos.

Estavas sentada a tomar calmamente o teu café, depois de uma manhã stressante de aulas. E vi nos teus olhos como apreciavas estes momentos fugazes de prazer.

Nos dias seguintes, eu continuei a ir beber café àquela hora e tu continuaste a comer-me com os olhos. A cada dia que passava mais aumentava o teu desejo. Mais aumentava o meu desejo. Já nem disfarçávamos sequer.

Um dia ganhei coragem e saí, logo atrás de ti, quando tu saíste do café. Já cá fora disse-te: «Olá!» E tu respondeste-me com outro olá.

E convidei-te para tomarmos uma bebida, bem longe dali, junto ao mar. E tu disseste-me: «Impossível, sou uma mulher casada e não posso faltar às aulas».

Mas eu insisti. E fiz-te ver que devias ter algum dia com um furo no horário. Mas tu insististe que eras casada e que isso estava fora de hipótese.

Despedimo-nos e lembro-me de teres feito referências elogiosas ao meu carro.

Água mole em pedra dura tanto dá até que fura. E tu um dia cedeste aos meus insistentes pedidos. E, logo ali, combinámos tomar uma bebida numa dessas esplanadas à beira mar.

Fui ter contigo no sítio combinado. E seguimos na direcção de Espinho. «Mas há uma outra estrada melhor para irmos para Espinho», observaste tu. Mas eu insisti que aquele era o melhor trajecto. E tu conformaste-te.

Chegados à entrada do motel, tu ainda não tinhas percebido bem onde nos encontrávamos e eu perguntei--te: «Vamos tomar café aqui?» E lembro-me de tu te virares para mim entre meia surpresa e incrédula: «Mas que é isto?» E eu respondi-te: «Olha é um local sossegado e discreto onde podemos tomar café sem que sejamos vistos por quem quer que seja. E acho que concordaste com a minha observação.

Na portaria deram-me um comando da garagem onde estacionei o carro. Ficámos os dois ali no carro, a olhar um para o outro. «Vamos subir e tomámos o café lá em cima», sugeri eu. E tu nem me respondeste. Peguei na tua mão e subimos os dois lanços de escadas.

Quando deparaste com a cama no quarto deves ter percebido, só naquele momento, quais eram as minhas intenções.

Parecias estar em estado de choque. Pensativa e olhando o vazio. Depois olhaste para mim com ar de reprovação. E foste deitar-te de bruços na cama com a cara escondida dentro da almofada. Soluçavas.

Aos 40 anos ainda conservavas um corpo perfeito de mulher. E ao ver-te ali estendida na cama podia admirar as tuas curvas delineadas por aquelas calças justas.

Deitei-me ao teu lado. Sem trocarmos uma palavra. E ali estivemos, tu com a cara enterrada na almofada e eu de costas a olhar o tecto. Algum tempo depois agarrei a tua mão. E senti que apertaste a minha mão na tua. E isso deu-me novo alento.

Viraste-te para mim e abraçaste-me. Um abraço muito forte. E soluçavas mais alto.

«Desculpa», segredei eu baixinho ao teu ouvido.

3 comentários:

étoile disse...

Brilhante! Muito comovente.

Trolha disse...

Obrigado, Lua Clara.
Tb não precisas exagerar, né???

Trolha disse...

Recebi um comentário, esse sim brilhante e comovente, sobre este post.
Mas como me pediram para não o mostrar, fica só entre mim e ela.