Seres reais povoam os meus sonhos: em lugares fantásticos, em situações obscuras, em labirintos de cores ainda não inventadas.
Quando o vi, ele parecia flutuar num corredor exótico e interminável: os lugares do sonho.
O seu nome não era importante. Em boa verdade, não tinha nome: as situações do sonho. Tinha lábios bem desenhados, isso não me esquece: os labirintos do sonho.
Quando falou comigo, sorriu e olhou-me nos olhos. Perigosa combinação essa: voz, sorriso, olhar. Não sei dizer exactamente em qual deles primeiro me perdi, mas ainda sei dizer que nunca mais me encontrei. Um olhar que não consentia dúvidas, um sorriso que admitia todas as possibilidades e uma voz que não permitia hesitação.
Ficamos juntos naquela noite. Não tive escapatória. Não tive escolha. Acostumada que estou a decidir tudo sozinha na minha vida – acompanhei-o – surpreendida com o meu próprio comportamento.
Nunca ninguém se preocupou em escrever sobre a angústia de ser independente: a solidão da independência. As pessoas dependentes sempre contam com alguém para dividir os seus erros e as suas culpas. As independentes não. Se tudo der certo, óptimo: não poderia ser de outra maneira. Se der tudo errado: a culpa será sua eterna companheira.
As pessoas independentes geralmente são obrigadas a tomar as decisões e elas nem sempre agradam a todos. Nesse contexto, é fácil perceber que as pessoas são, com frequência, confundidas com pessoas autoritárias, dominadoras ou, até mesmo, pessoas más, sem coração.
Certa vez, li sobre a dor de ser irmã de Cinderela – a dor de ser feia. É fácil ser boazinha quando tudo nos cai do céu; porém, é muito difícil manter o padrão se temos que
"correr atrás" do que nos apetece. Mas não é sobre beleza/feiura que trata esta história... Esta história trata da confusão que fiz entre os conceitos de dependência e submissão.
Eu sempre lutei muito pela minha independência. Sempre achei importante ter o meu próprio dinheiro, a minha própria profissão, as minhas próprias opiniões. No meu simplório entendimento, as pessoas submissas tornavam-se dependentes das outras. Acho que quanto mais o meu inconsciente me enviava sinais, tentando alertar-me sobre a minha submissão latente, mais eu me apegava à minha independência, mais eu fazia por não depender de nada, nem de ninguém. Pura defesa mental. Criei uma imagem maravilhosa: independente, segura, auto-suficiente. Uma postura até certo ponto invejada.
Mas havia algo que não batia certo: vontades estranhas, desejos contraditórios, fantasias perturbadoras. Foi nesse estado de espírito que me encontrei com ele.
Como dizia, antes de me perder em divagações, eu não tinha escolha: ou o acompanhava sem reservas ou não o acompanhava. Não havia o
"mas", a minha conjunção favorita... Adoro orações coordenadas adversativas...
Fui com ele. O coração aos saltos. Apesar de nunca ter tido um Dono, já conhecia as regras básicas e pensava: "
não vou conseguir ajoelhar-me...". Devo esclarecer aqui que esse temor não era o único sentimento manifesto. Havia também outras sensações aparecendo e tomando conta da situação: havia a curiosidade, havia uma atracção mútua, havia um desejo intenso, impossível de ser reprimido.
Quando me ajoelhei aos seus pés e ofereci o meu pescoço para a coleira, senti-me como se estivesse a fazer uma encenação. Não era real. No entanto, essa sensação desapareceu rapidamente, no momento em que ele me segurou pela coleira e a puxou com força, de modo ao meu rosto ficar bem perto do seu. Os nossos lábios quase se tocaram...
E exclamou: "
És minha, agora! Pertences-me!" A voz que não permitia hesitação. Concordei placidamente.
Não recordo com precisão todos os acontecimentos daquela noite. Sei que me submeti às vontades Dele sem nunca vacilar e, durante o tempo que durou aquela sessão, deixei de lado as minhas preocupações com a minha independência. Entreguei-me aos Seus caprichos, que – descobri depois –, não deixavam de ser os "
meus caprichos"... «
Servir e ser servido», são apenas dois aspectos diferentes da mesma ordem de factores.
Depois de nos separamos, ansiava por novos encontros, novas conversas e, uma vez livre das dúvidas e dos preconceitos sobre a minha condição de
"submissa", tenho levado a vida assim: explorando o tempo todo – na companhia do meu Dono – esse meu lado submissa, que por tanto tempo reprimi e, o que é mais importante: aprendi a diferença entre os dois conceitos.
Posso e devo manter a minha independência, a minha segurança, os meus pontos de vista; sem que isso afecte a minha submissão. Posso submeter-me ao meu Senhor, sem que isso me torne dependente Dele. Obviamente, sob alguns aspectos sempre serei dependente da Sua vontade, mas não em todos os aspectos, nem tampouco naqueles aspectos de que depende a minha individualidade.
Tenho descoberto o prazer ilimitado de me ajoelhar, de usar a Sua coleira, de servir aos Seus caprichos, realizar as Suas fantasias, submeter-me aos castigos: afinal, a dor e o prazer – a exemplo do
"servir e ser servido" ou do
"bem e o mal" ou do
"amor e o ódio" – também são apenas duas espécies contrárias do mesmo género.
Seres fictícios povoam a minha realidade: em lugares imagináveis; em situações claras; em labirintos de cores precisas.
(Texto recebido por e-mail de uma leitora do blog como comentário ao post - Fantasias Femininas n.º 6 - ENTREGA TOTAL)
PS: obrigado, ilustre desconhecida. O texto é simplesmente fascinante. Quem me dera escrever assim!